Se.mi.deus (sm) – indivíduo extraordinário, considerado um ser superior por sua genialidade ou talento, pelos feitos heroicos e também pela glória e honras a ele concedidas. Essa é a definição que muitas vezes nós – meros mortais – utilizamos para falar ou tratar algum atleta de alto rendimento. Colocamos eles em pedestais e acreditamos piamente em seus dons (quase) sobrenaturais, em sua habilidade de vencer incansavelmente e em sua capacidade de superação. Mas erramos. Erramos quando endeusamos sua existência, quando julgamos a vitória como algo imprescindível para admiração, e esquecemos que eles são humanos – com falhas, limites e sujeitos a dor.
E quanto a isso, a atleta Maurren Maggi – primeira mulher brasileira a conquistar uma medalha de ouro olímpica em provas individuais (salto em distância), é direta no seu posicionamento: “Com certeza as derrotas que eu tive na minha vida foram para me ensinar que elas fazem parte da vida de todo bom atleta”. Ela faz questão de destacar que, apesar do ouro em Pequim 2008 e das quatro medalhas pan-americanas no currículo, sua vida não foi só sucesso, e sua carreira também foi marcada por várias falhas, frustrações e derrotas.
– A história mais marcante que eu tenho de derrota na minha carreira foi em Sidney, onde eu entrei como favorita na Olimpíada de 2000 – eu era favorita absoluta, com o melhor salto do mundo – e me machuquei dentro da competição. Foi muito frustrante e muito decepcionante talvez pelo que eu tenha ouvido das pessoas depois, de médicos, de alguns amigos, e de patrocinadores que me abandonaram – conta Maurren.
Ela relembra que, no momento do incidente, sua cabeça era um vazio, incapaz de se ater a algo: “Eu estava sentindo tanta dor que na hora eu não pensava muito não, eu só me senti muito decepcionada comigo mesma, porque foi a maior responsabilidade que eu tive na minha vida, perante o Brasil inteiro, e eu falhei como atleta”. Porém, logo depois, como uma ressaca pós noitada, o baque psicológico veio. “A situação psicológica foi muito pior do que a dor que eu estava sentindo”, reforça Maurren.
E como se não bastasse a sua batalha interna, e toda a frustração que o fato resultou, Maurren ainda teve que lidar com o arquétipo do semideus, aquela representação que comentamos anteriormente sobre julgarmos eles, atletas, incansáveis, exemplos de conduta e incapazes de perder. Um erro, um deslize, e ela viu a vida de cabeça para baixo, sem patrocínios e sem apoio. Afinal, na concepção do semideus, se um atleta não vence, não sobe ao pódio, não é merecedor de investimento. “Foi muito frustrante porque eu perdi todos os meus patrocinadores, menos um, e eu tive que dar a volta por cima da maneira mais simples possível”, relata a atleta.
– E a grande preocupação na época, eu lembro que era dos meus técnicos, porque eu não estava recebendo nada. E aí eu falei para o Nélio, “fica tranquilo, só me dá treino, que é o que você sabe fazer de melhor, que eu vou treinar e voltar da melhor maneira possível. O que você mandar eu fazer eu vou fazer”. E a gente teve essa cumplicidade – com os médicos e fisioterapeutas também, e foi surpreendente a volta. Mais pela minha vontade mesmo, eu estava com muita raiva de tudo o que eu tinha perdido, e eu pensei “não é justo eles me abandonarem no momento que eu mais preciso” – destaca Maurren.
Às vezes, muito melhor do que a vitória em si, é a volta por cima; a superação de algo que até então parecia intransponível, algo de que muitos duvidavam. “Eu consegui dar a volta por cima e em meados de abril eu consegui fazer o 3º melhor salto do mundo”, recorda Maurren. Depois disso e com a grande procura de patrocinadores, a atleta e sua equipe agiram diferente, estabelecendo contratos de pelo menos 2 anos ao invés de um. Assim, eles teriam mais segurança para treinar e competir, independente de uma lesão ou uma má performance em alguma competição específica. “Conseguimos uns bons patrocínios e nos garantimos por mais alguns anos”, frisa a atleta.
Maurren seguiu olhando para frente, ciente de seus limites, dos seus dias bons e ruins e, mais ainda, de que é humana, de que falha e chora. Ainda assim, sempre disposta a fazer mais, a entregar o seu máximo e a não se dar por vencida. Oito anos depois dos Jogos Olímpicos de Sidney 2000, Maurren alcançou o ápice do esporte, subiu ao lugar mais alto do pódio nos Jogos de Pequim 2008, com a marca de 7.04 metros. “A minha grande motivação é sempre fazer melhor na próxima competição, buscar um resultado melhor, então eu sei lidar com a derrota, mas ela não fazia parte da minha vida não. O que faz parte da minha vida é a vitória, o que eu tenho para melhorar, para oferecer”, completa a atleta. Para ela, nada melhor do que um dia após o outro.
Por fim, perguntamos a Maurren um conselho para a vida sobre o tópico “derrota” e, novamente, ela foi cirúrgica:
– Tomara que não aconteça, mas se acontecer, dá uma olha no meu currículo porque tem muita derrota, tem muito deslize, muito vacilo, muita competição que eu saí chorando, decepcionada porque eu não saltei bem. Mas existem os dias bons também, e a gente tem que levar eles em consideração e o que a gente tem pra oferecer. Eu falo que a grande motivação nossa somos nós mesmos, e o que a gente tem pra fazer. Aconteça o que acontecer, não abandone o barco porque faz parte da vida do atleta – finaliza Maurren.